O documentário Existe Amor na BXD, que se estende para o nível de projeto cultural, surgiu no Encontrarte Audiovisual, escola de cinema em Nova Iguaçu. O roteiro nasce da necessidade de falar sobre a Baixada Fluminense, que eu, diretora do projeto, vivi no meu cotidiano.
A Redley tá sempre de olho nos movimentos que a cultura urbana vem fazendo. Falamos sobre moda, música, skate, surfe e todas as linguagens que compõe os pilares da marca, assim como o cinema e o audiovisual, sendo nessa perspectiva que eu vim falar sobre a idealização, elaboração e circulação do meu projeto “Existe Amor na BXD”.
Encontrarte Audiovisual e Fábio Mateus
Como uma menina nascida e criada no subúrbio pode sonhar em trabalhar com arte? A verdade é que, por muito tempo, a resposta para essa pergunta na minha cabeça era curta e grossa. Ela nem sonha. Afinal, ser artista não dá dinheiro, ser artista é para quem pode ou para quem dá sorte e com a sorte eu não podia contar.
Em um cenário pós pandêmico, foi quando me deparei com o Encontrarte Audiovisual, um espaço situado no centro de Nova Iguaçu, que oferece capacitação gratuita no setor audiovisual para pessoas de todas as idades. Foi lá que aprendi sobre roteiro, direção, fotografia e todas as nuances envolvidas na arte da produção cinematográfica.
O Encontrarte Audiovisual foi pra mim mais do que uma simples instituição, foi uma casa, um lugar pra eu ser vista por quem eu era e onde finalmente aprendi que isso é indissociável daquilo que eu sonho. Foi onde criei autoestima enquanto profissional e artista.
O Encontrarte Audiovisual é o que acredito ser verdade, para todas as instituições sociais que trabalham para potencializar e desenvolver uma relação de comunidade com a sua região. É ser não só uma empresa, mas sim uma obra, e toda obra tem um artista apaixonado por trás.
O artista em questão foi o Fábio Mateus. O trabalho do Fábio como empreendedor social mudou minha vida e de todos que pisaram na escola. É verdade que o empreendedorismo social, assim como o cinema, não é algo que se faz sozinho, é algo que se sonha junto.
Fábio Mateus tinha a vocação de fazer com que onde pisasse, as pessoas pudessem acreditar que ali era o lugar para se estar. Reunia sonhos múltiplos em um só e trabalhava mais que qualquer um para ver esses sonhos se tornando realidade. Isso, pra mim, é amor.
Indo para Nova Iguaçu quase todos os dias, pegando o 541 diariamente, convivendo com as pessoas e trabalhando em coletivos nos sonhos que aprendi a amar, foi como surgiu a ideia do “Existe Amor na BXD”.
Existe Amor na BXD
O Existe Amor na BXD surge da necessidade de forjar uma narrativa autêntica para aqueles que nutrem um profundo amor pela Baixada Fluminense, desafiando assim a narrativa estigmatizada que paira sobre a região.
Inicialmente concebido como um simples roteiro, o projeto logo se transformou em uma bandeira, uma missão de resgate da verdadeira essência e potencial desse território.
É importante que a galera saiba que é um projeto. Muitas coisas não funcionarem aqui, eu diria isso. Mas diria também que a partir disso a gente conseguiu devolver.
A gente recebe uma coisa e o que a gente ressignifica e devolve vale muito mais a pena do que a parte ruim.” – Malê BXD em Existe Amor na BXD.
O filme apresenta relatos de diversas pessoas da região, sendo duas delas centrais para compreendermos o tipo de amor que estamos abordando. Fabio Souza Vieira e Sadraque Albino são exemplos inspiradores.
Fábio Souza lidera o Centro de Treinamento de Nilópolis, um projeto que ensina crianças da Baixada, muitas das quais jamais viram o mar, a jogar Beach Tennis. Com o apoio de familiares e amigos, Fábio construiu duas quadras em seu próprio quintal, transformando sua casa no epicentro dessa iniciativa.
Seu projeto não só proporciona às crianças uma oportunidade de aprendizado e lazer, mas também as leva a competições fora do estado, ampliando seus horizontes.
Por outro lado, Sadraque é responsável pelo Instituto MEDUCA, uma organização não governamental que atua em uma das áreas mais vulneráveis de Nova Iguaçu, entre os Complexos do Marapicu e do Grão Pará.
O instituto visa promover a inclusão socioassistencial dessas comunidades por meio de parcerias com profissionais especializados e uma variedade de atividades.
Além disso, eles também colaboram com outros projetos na região que enfrentam desafios semelhantes, oferecendo desde aulas de judô até sessões de cinema gratuitas para crianças.
A transformação que o Encontrarte, o mesmo projeto que possibilitou a realização do Existe Amor na BXD, trouxe para minha vida é toda sobre amor. Desde a concepção do projeto até a conexão desenvolvida com os professores e alunos, tudo foi impulsionado por esse sentimento.
Projetos sociais como o CTN e o MEDUCA promovem uma transformação semelhante em suas comunidades, baseada na ética do amor ao próximo e à nossa região.
Quando você entende que esse local não foi feito sob uma ótica humanizada, muito pelo contrário, é o oposto.
Quando você olha pra gente fazendo o que a gente faz, a gente tá ressignificando o espaço. – Natö em Existe Amor na BXD.
E foi isso que definiu o “Existe Amor na BXD”. Quando concebi o projeto, essa era minha visão. À medida que avançamos para sua realização, a afirmação “Existe Amor na BXD!” ecoou de diversas maneiras.
Desde a venda dos produtos iniciais para arrecadar verba, até o apoio do BXD Lambe e dos artistas locais que cederam suas músicas para a trilha sonora – nomes como NATÖ, Marcão Baixada, Maui, Clá Gouveia, Rojão e Felipe Vaz – até a equipe, composta inteiramente por alunos do Encontrarte Audiovisual e supervisionada pelos professores Miguel Nagle, Douglas Gomes e Fábio Mateus.
O processo de edição foi conduzido pelo co-diretor do projeto, meu amigo de longa data e ironicamente a mesma pessoa que me recomendou o curso anos atrás, Guilherme Leopoldo.
A estreia do filme reuniu todas as pessoas envolvidas em uma mostra de cinema no Estação Net Botafogo, exclusivamente com filmes da Baixada Fluminense.
Quando você entende que esse local não foi feito sob uma ótica humanizada, muito pelo contrário, é o oposto. E você olha pra gente fazendo o que a gente faz, a gente tá ressignificando o espaço. -Wesley Brasil em Existe Amor na BXD.
Por fim, embora a Baixada Fluminense enfrente diversas limitações e desafios, que vão desde a falta de infraestrutura até problemas sociais complexos, a questão é que nossa qualidade criativa e resiliente não pode ser negada.
Em meio a adversidades, a Baixada continua a produzir e criar coisas incríveis, desafiando estereótipos e moldando seu próprio destino. O “Existe Amor na BXD” é só um exemplo disso. O projeto é um testemunho do poder transformador do amor e da determinação da nossa comunidade.
É uma ode à Baixada Fluminense e às pessoas extraordinárias que chamam essa região de lar.
Circuito de Exibição do Existe Amor na BXD
Acima de tudo, o documentário é um lembrete de que, apesar das limitações, aqui é uma terra fértil, onde com os estímulos certos, e o trabalho de pessoas como o Sadraque no Meduca, Fabio Souza no CTN e Fábio Mateus na Encontrarte Audiovisual, sonhos florescem em peso.
Nesta semana, o documentário estará em destaque com exibições especiais. No dia 25 de abril, teremos a primeira exibição no Sesc Nova Iguaçu. Já no dia 27 de abril, a exibição será no Sesc Duque de Caxias, onde também vai rolar um show do Marcão Baixada, presente na trilha sonora do filme.